Lider Protestante: “o Papa Francisco está se movendo rumo a um novo modelo de papado”
Por Roberto
de Mattei (*)
O início do centenário das aparições de Fátima, em 13 de outubro de 2016, foi enterrado sob um manto de silêncio. Nesse mesmo dia, o Papa Francisco recebeu mil “peregrinos” luteranos na Sala Paulo VI, enquanto no Vaticano era homenageada uma estátua de Martinho Lutero.
Duas
celebrações se sucederão em 2017: os 100 anos das aparições de Fátima,
ocorridas entre 13 de maio e 13 de outubro de 1917, e os 500 anos da revolta de
Lutero, iniciada em Wittenberg, Alemanha, em 31 de outubro de 1517.
Mas no
próximo ano ocorrem também dois outros aniversários, dos quais se fala menos:
os trezentos anos da fundação oficial da maçonaria (Londres, 24 de junho de
1717) e os cem anos da Revolução russa de 26 de outubro de 1917 (no calendário
juliano, em uso no império russo; no dia 8 de novembro, segundo o calendário
gregoriano). No entanto, entre a Revolução protestante e a comunista, passando
pela Revolução francesa, filha da maçonaria, corre um ininterrupto fio vermelho
que Pio XII, no famoso discurso Nel contemplare, de 12 de outubro de 1952,
resumiu em três fases históricas, correspondentes ao protestantismo, ao
iluminismo e ao ateísmo marxista: “Cristo
sim, a Igreja não. Depois: Deus sim, Cristo não. Finalmente, o grito ímpio:
Deus está morto; ou antes, Deus nunca existiu.”
Nas
primeiras negações do protestantismo — observou Plinio Corrêa de Oliveira — já
estavam implícitos os anelos anárquicos do comunismo:
“Se,
do ponto de vista da formulação explícita, Lutero [quadro ao lado] não era
senão Lutero, todas as tendências, todo o estado de alma, todos os
imponderáveis da explosão luterana já traziam consigo, de modo autêntico e
pleno, embora implícito, o espírito de Voltaire e de Robespierre, de Marx e de
Lenine” (Revolução e Contra-Revolução, Parte I, Cap. 6, 1 B).
Sob este
aspecto, os erros difundidos pela Rússia soviética a partir de 1917 foram uma
cadeia de aberrações ideológicas que de Marx e Lênin remontam aos primeiros
hereges protestantes. A Revolução luterana de 1517 pode portanto ser
considerada um dos eventos mais nefastos da história da humanidade, ao lado da
revolução maçônica de 1789 e da comunista de 1917. E a Mensagem de Fátima, que
previu a propagação dos erros comunistas no mundo, contém em si,
implicitamente, a rejeição dos erros do protestantismo e da Revolução francesa.
O início
do centenário das aparições de Fátima, em 13 de outubro de 2016, foi enterrado
sob um manto de silêncio. Nesse mesmo dia, o Papa Francisco recebeu mil
“peregrinos” luteranos na Sala Paulo VI, enquanto no Vaticano era homenageada
uma estátua de Martinho Lutero [foto no
topo], como aparece nas fotos que Antonio Socci difundiu em primeira mão em
sua página do facebook. Além disso, o Papa Francisco viajará no próximo dia 31
de outubro a Lund, na Suécia, onde participará da cerimônia conjunta
luterano-católico para comemorar o 500º aniversário do protestantismo. Como se
lê no comunicado redigido pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício
Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o objetivo do evento é “expressar os dons da Reforma e pedir perdão
pela divisão perpetuada pelos cristãos das duas tradições”.
O teólogo
e pastor valdense Paolo Ricca [foto ao
lado], empenhado há décadas no diálogo ecumênico, manifestou a sua
satisfação:
“Porque é a primeira vez que um Papa comemora
a Reforma. Isso, na minha opinião, constitui um passo à frente em relação às
metas significativas que foram alcançadas pelo Concílio Vaticano II, o qual —
incluindo em seus textos e valorizando assim alguns princípios e temas fundamentais
da Reforma — marcou uma reviravolta decisiva nas relações entre católicos e
protestantes. Participar da comemoração, como se dispõe a fazer o representante
supremo da Igreja Católica, significa, a meu ver, considerar a Reforma um
evento positivo na história da Igreja, que fez bem inclusive ao catolicismo. A
participação na comemoração é um gesto de grande significado, porque o papa irá
a Lund, no lar dos luteranos, como se fosse um da família. A minha impressão é
de que ele, de uma maneira que eu não saberia definir, também se sente parte
daquela porção de cristianismo que nasceu da Reforma”.
Segundo o
mesmo Ricca, o principal contributo oferecido pelo Papa Francisco é:
“O seu esforço para reinventar o papado, ou
seja, a busca de um modo novo e diferente de entender e viver o ministério do
bispo de Roma. Esta busca — supondo que a minha leitura acerte ao menos um
pouco no alvo — poderia levar muito longe, porque o papado — pelo modo como foi
entendido e vivido nos últimos 1000 anos — é um dos grandes obstáculos à
unidade dos cristãos. Parece-me que o Papa Francisco está se movendo rumo a um
modelo de papado diferente do tradicional, em relação ao qual as outras Igrejas
cristãs poderiam assumir novas posições. Se assim fosse, este tema poderia ser
completamente repensado em âmbito ecumênico”.
O
fato de a entrevista ter sido publicada em 9 de outubro pelo Vaticano Insider,
considerado um site semi-oficioso do Vaticano, sugere que esta interpretação da
viagem a Lund e das intenções pontifícias seja autorizada e bem-vinda ao Papa
Francisco.
O início do centenário das aparições de Fátima, em 13 de outubro de 2016, foi enterrado sob um manto de silêncio. Nesse mesmo dia, o Papa Francisco recebeu mil “peregrinos” luteranos na Sala Paulo VI, enquanto no Vaticano era homenageada uma estátua de Martinho Lutero.
“Porque é a primeira vez que um Papa comemora a Reforma. Isso, na minha opinião, constitui um passo à frente em relação às metas significativas que foram alcançadas pelo Concílio Vaticano II, o qual — incluindo em seus textos e valorizando assim alguns princípios e temas fundamentais da Reforma — marcou uma reviravolta decisiva nas relações entre católicos e protestantes. Participar da comemoração, como se dispõe a fazer o representante supremo da Igreja Católica, significa, a meu ver, considerar a Reforma um evento positivo na história da Igreja, que fez bem inclusive ao catolicismo. A participação na comemoração é um gesto de grande significado, porque o papa irá a Lund, no lar dos luteranos, como se fosse um da família. A minha impressão é de que ele, de uma maneira que eu não saberia definir, também se sente parte daquela porção de cristianismo que nasceu da Reforma”.
“O seu esforço para reinventar o papado, ou seja, a busca de um modo novo e diferente de entender e viver o ministério do bispo de Roma. Esta busca — supondo que a minha leitura acerte ao menos um pouco no alvo — poderia levar muito longe, porque o papado — pelo modo como foi entendido e vivido nos últimos 1000 anos — é um dos grandes obstáculos à unidade dos cristãos. Parece-me que o Papa Francisco está se movendo rumo a um modelo de papado diferente do tradicional, em relação ao qual as outras Igrejas cristãs poderiam assumir novas posições. Se assim fosse, este tema poderia ser completamente repensado em âmbito ecumênico”.
São Pedro Canísio, no Concílio de Trento, combateu os erros do luteranismo e do calvinismo |
Em 13 de outubro, no decurso da audiência aos luteranos, o Papa Bergoglio também disse que o proselitismo, é “o veneno mais forte contra o ecumenismo”. E acrescentou: “Os maiores reformadores são os santos e a Igreja deve ser sempre reformada.” Estas palavras contêm ao mesmo tempo, como é comum em seus discursos, uma verdade e um engano. A verdade é que os santos, de São Gregório VII a São Pio X, foram os maiores reformadores. O engano consiste em insinuar que os pseudo-reformadores, como Lutero, devem ser considerados santos. A afirmação de que o proselitismo ou o espírito missionário é “o veneno mais forte contra o ecumenismo” deve, pelo contrário, ser invertida: o ecumenismo, como entendido hoje, é o veneno mais forte contra o espírito missionário da Igreja. Os santos foram sempre movidos pelo espírito missionário, começando por aqueles jesuítas que no século XVI aportavam no Brasil, no Congo e nas Índias, enquanto seus irmãos Diego Lainez, Alfonso Salmeron e Pedro Canísio, reunidos no Concílio de Trento, combatiam os erros do luteranismo e do calvinismo.
Mas, para
o Papa Francisco, quem está fora da Igreja Católica não deve ser convertido. Na
audiência de 13 de outubro, respondendo de improviso às perguntas dos jovens,
disse: “Eu gosto muito dos bons
luteranos, dos luteranos que seguem verdadeiramente a fé de Jesus Cristo. No
entanto, não gosto dos católicos mornos e dos luteranos mornos.” Com outra
deformação da linguagem, o papa Bergoglio define como “luteranos bons” aqueles protestantes que não seguem a fé de Jesus
Cristo, mas uma deformação dela, e como “católicos
mornos” aqueles filhos fervorosos da Igreja que rejeitam a equiparação
entre a verdade da religião católica e o erro do luteranismo.
Tudo isso
leva a perguntar o que acontecerá em Lund no dia 31 de outubro. Sabemos que a
comemoração compreenderá uma celebração comum, fundada no guia litúrgico
católico-luterano Common Prayer
(Oração Comum), elaborado com base no documento Do conflito à comunhão. Comemoração comum luterano-católica da
Reforma em 2017, elaborado pela Comissão católico-luterana pela unidade dos
Cristãos. Há quem tema com razão uma “intercomunhão” entre católicos e
luteranos, que seria sacrílega porque os luteranos não acreditam na
transubstanciação. Mas, sobretudo, se dirá que Lutero não é um heresiarca, mas
um reformador injustamente perseguido, e que a Igreja deve recuperar os “dons
da reforma”.
Quem se
obstinar a considerar justa a condenação de Lutero e heréticos e cismáticos
seus seguidores, deve ser severamente condenado e excluído da igreja do Papa
Francisco. Mas a que Igreja, afinal, pertence Jorge Mario Bergoglio?
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Fonte: Corrispondenza romana, 19-10-2016. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
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